Book Review: “Mulheres de minha alma” de Isabel Allende

Resenhas

“A muchas hijas nos ha tocado vivir la vida que nuestras madres no pudieron vivir”

O quanto a idade realmente pode nos mudar? Ao ler a obra tive contato com uma Isabel que parecia nunca ter perdido a sua essência. Uma mulher que se viu feminista desde os primórdios de sua infância nos anos 1940 e que segue engajada no movimento até hoje.

Uma mulher que desde cedo se vê presa nas amarras do machismo e que luta constantemente por um mundo melhor não só para si, mas para as próximas gerações de mulheres. Isabel se engajou na luta no auge do feminismo em 1960 e nunca parou. Basicamente, Isabel viveu (e ainda vive) muita coisa.

Ela é uma pessoa (aparentemente) com a vida perfeita, mas Isabel já teve muitas perdas e já tomou decisões precipitadas. Em seu relato, a escritora reconhece suas falhas, mas mostra que elas não definem quem Isabel realmente é e que, além disso, sempre existem novos caminhos para se fazer o que acredita. Essa mulher é uma inspiração e a sua história me arrancou suspiros e lágrimas.

Mesmo nascida 54 anos antes de mim, é impossível não se identificar com cada parte de sua história. Acredito que pode ser triste ainda passar pelo mesmo machismo estrutural que viveu há mais de 70 anos, mas é enriquecedor ver tantos pontos que nos une. Ser mulher é incrível, mas ser mulher latino-americana é ainda mais bonito.

Eu diria que o livro de 180 páginas é um poço de luta e inspiração para todas as pessoas. É um livro de enorme sensibilidade e que faz o leitor se sentir em uma conversa íntima com Isabel. Me senti próxima e amei saber mais sobre a sua relação com os personagens que criou e com os espíritos que ela ainda conversa.

Recomendo esse exercício de inspiração para todos, mas indico que leia “Filha da Fortuna” antes (já escrevi sobre essa obra). É uma experiência única para os “leitores fiéis” de Isabel Allende, assim como ela mesma nos chama.

Reflexões Feministas sobre “Crime e Castigo” de Fiódor Dostoiévski

Direito na Literatura

Caso queira comprar o livro na melhor tradução: Crime e castigo

Queria começar esse texto falando do quanto eu estou apaixonada por “Crime e Castigo” de Fiódor Dostoiévski. É um livro profundo e com uma história que vale muito a pena ser contada. Ela cria um exercício de empatia que todos devemos ter.

Ao ler a primeira parte da obra, não pude evitar de ter um olhar feminista e com maior atenção à situação das mulheres naquele meio. Talvez eu esteja sensibilizada após a leitura de “Anna Karênina” de Tolstói? Sim, mas é impressionante como a vida das mulheres pobres está em contraste com a aristocracia russa. A desigualdade social na Rússia Czarista é gritante e incomoda (assim como a brasileira).

Quero começar falando um pouco da “carteira de identidade amarela”. Esse termo aparece pela primeira vez na obra na página 21 (da edição da Editora 34) e se refere ao documento de identidade, em papel amarelo, utilizado pelas prostitutas na Rússia antes de 1917. O que mais dói é ler a seguinte passagem:

“Quando minha única filha saiu pela primeira vez para tirar a carteira de identidade amarela, eu fui também… (porque a minha filha vive da identidade amarela)…”

Essa frase é dita por Marmieládov, um amigo de Raskólnikov, que furta o dinheiro da própria filha Sônia (que não teve oportunidade de emprego a não ser prostituta) para gastar com o seu vício em bebidas alcóolicas. Neste primeiro momento, conseguimos notar que uma das alternativas mais “viáveis” para uma mulher pobre durante a Rússia Czarista era a prostituição.

Outro ponto interessante é a vulnerabilidade que a população pobre tinha com relação à doenças, em especial, as mulheres devido ao papel de “cuidado” imposto à elas dentro da comunidade. Um exemplo é Catierina Ivánovna, esposa de Marmieládov e que tosse sangue frequentemente.

Falando em Catierina Ivánovna… essa é uma personagem importante nessa anáilse. Ela foi educada em um ambiente aristocrático, mas fugiu da casa dos pais para casar com o seu primeiro marido (um oficial da infantaria), mas que acabou sendo processado e morreu. Neste período sem o marido, entrou na miséria e conheceu Marmieládov, que a fez voltar a ser “dona de casa”.

“Saiba que a minha esposa foi educada em um internato aristocrático, destinado às moças nobres da província, e na festa de formatura dançou de xale para o governador e outras personalidades, e foi recompensada com uma medalha de ouro e um diploma de honra ao mérito. A medalha… bem, a medalha nós vendemos… há muito tempo…hum… o diploma de honra ao mérito ela guarda até hoje no fundo no baú”

Página 23
O próximo exemplo que quero trazer aqui é o de Dúnia, irmã de Raskólnikov. Ela foi governanta na casa do casal Svidrigáilov, pois ela precisava não apenas se sustentar, como dar apoio para a sua mãe também. Nisso, ela entra em uma emboscada, que acredito que deva ser comum da época: ela recebeu um adiantamento de cem rublos para serem descontados do salário a cada mês, segurando-a no trabalho para saldar dívida. Casos parecidos são noticiados todos os dias no Brasil,sendo que o país já foi condenado internacionalmente por não ter agido perante tais práticas

O que é mais triste ainda é ver que ela era vítima de brincadeira de mau gosto pelo Sr. Svidrigáilov (acredito que seja assédio, pois a mãe de Raskólnikov não quis dar detalhes para não enfurecer o filho), que depois resolve fazer uma proposta para fugir com ela. A Sra. Svidrigáilov descobriu tudo e julgou Dúnia como culpada, chegando até a bater na menina.

Mas depois Dúnia conhece um rapaz chamado Lújin que resolve casar com ela. Pela narrativa e pelo entendimento de Raskólnikov, vemos que Dúnia foi praticamente vendida para Lújin, o que enfurece Raskólnikov e compara a situação de sua irmã à prostituição de Sônia. Vemos aí mais um cenário em que Dúnia teve como alternativa (para a sua própria sobrevivência) ser vendida para um rapaz de classe superior.

Perto do fim da parte 1 da obra, encontramos a situação de uma menina, ainda criança, que foi vítima de uma trapaça e é vista perambulando bêbada pela rua. Raskólnikov avista um senhor prestes a abusar da garota (se aproveitando do momento de vulnerabilidade em que ela se encontrava) e decide chamar a polícia para afastar o criminoso.

“Pobre menina!… – disse ele, olhando para o canto vazio do banco. – Vai voltar a si, chorar, depois a mãe ficará sabendo de tudo… Primeiro irá espancá-la, depois açoitá-la, para doer e envergonhar, pode ser até que a expulse de casa”

Página 58

Por fim, quero dar ênfase para a velha viúva. Ela era casada com um funcionário do governo e, possivelmente, não tinha como se sustentar após a morte do marido e resolveu trabalhar com o penhor na criminalidade.

Nós podemos observar que as mulheres sempre estiveram na margem da sociedade, tanto na aristocracia quanto na pobreza. Sem os maridos e sem desempenhar um papel relacionado à “casa” e “cuidados”, elas se encontram sem opção de prosperar, muitas vezes recorrendo ao crime.

O livro não trata apenas do crime e do castigo de Raskólnikov, mas sim de toda a sociedade russa.

Book Review: “Ecofeminismos” de Daniela Rosendo

Resenhas

Acompanho o movimento feminista há anos e nunca tinha ouvido falar sobre o termo “ecofeminismo”. O meu primeiro contato se deu por meio de um Podcast no Spotify chamado “Ecofeminismo: Mulheres e Natureza”, que apareceu como “indicado para mim” na plataforma. Comecei a estudar o assunto e achei bastante interessante. Ressalto que existem algumas percepções nas quais eu discordo, mas acho importante dividir um pouco do conhecimento sobre esse movimento e o quanto ele é interessante e pertinente.

Comprei o livro “Ecofeminismos” de Daniela Rosendo a fim de aprofundar os meus estudos sobre o tema. O livro é curtinho e conta com artigos científicos que tratam sobre o tema (em português e espanhol) e suas várias abordagens. Caso tenha interesse na compra da obra: Ecofeminismos: fundamentos teóricos e práxis interseccionais

O ecofeminismo é um movimento mais filosófico com uma pegada um pouco diferente do que estamos habituados a encontrar em outras camadas dos feminismos. Essa filosofia prega a empatia e cuidado por todos os seres individuais para que o mundo seja, como um todo, um local mais ético.

O foco é que todos os processos de opressão criado pelo homem tem uma base em comum e que há semelhanças diretas entre o sistema de dominação patriarcal e o que cometemos com a natureza. De acordo com o livro: “A teoria feminista se torna um importante instrumento de análise e bandeira de luta social, porque nos ajuda a entender o modus operandi de como as opressões estão interligadas”.

Existem algumas reflexões muito interessantes sobre o tema. Começarei explorando a ideia da conexão que a mulher possui com a natureza, que é bastante diferente daquela ensinada aos homens.

O machismo cria uma ideia de desvalorização de tudo relacionado ao feminino e à natureza (os chamados “outros”). Mas como isso ocorre? o machismo impacta a criação dos homens e faz com que eles pensem que tanto a natureza quanto as mulheres estão ao seu dispor ou precisam ser conquistados por ele. O homem ocupa um espaço de conquista e dominação por meio desse tipo de criação que envolve a ideia de masculinidade. Logo, é preciso que os meninos sejam criados para exercitar o seu sentimento de empatia pelo “outro”.

Um exemplo interessante que aparece no livro é o seguinte: “A caça e o sacrifício animal exemplificam o corte da conexão com as mulheres e os animais. Através da história, a caça tem sido tanto uma atividade predominantemente masculina quanto um ritual prototípico para entrar na idade viril”.

Não obstante, no decorrer da história, as mulheres foram retratadas em uma relação direta com a natureza, como na ideia de que existe um Deus homem situado no céu governando a Terra, que é imaginada como feminina. O livro “Ecofeminismos” deixa claro essa ideia na seguinte passagem: “mulheres e animais são vistos como selvagens, irracionais, seres do mal que precisam ser conquistados e subjugados por uma força masculina agressiva”.

Ainda nesse sentido da relação entre mulheres/natureza e a posição de dominação masculina, o livro nos mostra também como as mulheres estavam ligadas à uma imagem de ciclos repetitivos da natureza (em especial, por conta da possibilidade de reprodução) enquanto aos homens cabia uma imagem ligada a atos de heroísmos.

Vale ressaltar que a ligação que a mulher tem com a natureza não deve ser reforçada pelo esterótipo retratado acima, que justifica tal ligação como uma “natureza” própria do feminino. Há uma parte do livro que explica muito bem esse ponto: “Qualquer atribuição de características inatas aos sexos carece de fundamentos científicos, mas, sobretudo, por entendermos que tal visão reforça padrões de subordinação dominantes e inibem o potencial crítico do feminismo”.

Outro ponto importante (e mais prático) a ser observado é de que as mulheres são a população mais afetada pelas mudanças climáticas. Isso ocorre pelo fato de que a mudança climática faz com que os homens migrem para locais cada vez mais distantes em busca de subsistência, enquanto as mulheres permanecem nos vilarejos em situação precária. Além de pesquisas indicarem que há um aumento na violência de gênero, tráfico humano e casamento infantil nessas localidades mais afetadas.

O livro trata desse aspecto também na seguinte passagem: “Certamento o lixo tóxico, a poluição do ar, os lençóis freáticos contaminados, o aumento da militarização e similares não são exclusivamente questões de mulheres; elas são questões humanas que afetam todo mundo. Porém, ecofeministas alegam que essas questões ambientais são questões feministas porque são as mulheres e as crianças as primeiras a sofrer as consequências da desigualdade e da destruição ambiental e que sofrem essas consequências desproporcionalmente em relação aos homens adultos”.

Por fim, um último ponto interessante retratado no livro é como as mulheres sofrem com a falta de reconhecimento na luta ambiental e agrária.

Sendo assim, consigo concluir que o ecofeminismo ele não nasce com uma abordagem prática como os outros feminismos, mas como um movimento intelectual e filosófico, pois leva em consideração questões como sistemas de opressão e condição humana.

Book Review: A Pequena Sereia – Louise O’Neill

Resenhas

“Seu pai tem insistido em me chamar de “bruxa”. Este é simplesmente um termo que os homens dão às mulheres que não tem medo deles, às mulheres que se recusam à submissão” (p. 89)

#ad Acesse o link abaixo e garanta o livro no site da Amazon (sempre com os melhores descontos do mercado): A Pequena Sereia e o Reino das Ilusões

Este review possui informações super importantes que podem ser consideradas como spoiler, mas não revelarei o fim da história.

Esse livro é uma releitura da história da Pequena Sereia, que ficou muito famosa por conta do seu filme da Disney. Essa foi a primeira releitura que li e a achei muito boa. Os tópicos abordados por Louise O’Neill são de grande complexidade e ela conseguiu criar um universo novo e atual para o cenário do filme da Disney. Estou utilizando o filme como base, pois não li o conto de Hans Christian Andersen. 

Achei incrível como muitos pontos (até sem sentido) da história original (filme), fazem mais sentido nessa releitura. Nessa versão, a princesa se chama Gaia e as sereias vivem sobre a monarquia absolutista do Rei dos Mares. Nessa monarquia, ele é o dono da verdade e faz uma grande alienação para toda a sua população no sentido de vender a ideia de que é o ser mais poderoso do oceano e que a economia está boa (digo economia, mas no livro há a menção de que existe fome nos arredores do palácio real, fato negado pelo Rei). O Rei dos Mares também mostra uma postura racista (ao meu ver, mais uma vez) e busca uma certa uniformidade na aparência da sua população.

Todos que contestam o Rei dos Mares será penalizado, mas não o livro não demonstrou como tal pena funcionaria. O único exemplo que temos é a morte da mãe da Gaia, então esposa do Rei dos Mares. Mas esse ponto será discutido mais em breve. 

Esse livro tem uma abordagem feminista bastante crítica, pois o reino do pai de Gaia é extremamente machista. O machismo fica evidente no momento em que as mulheres não são autorizadas a emitir opiniões e são limitadas a serem bonitas, apenas. Ainda, o sucessor do reino apenas poderá ser um homem. Os casamentos das filhas do rei são arranjados e os maridos escolhidos pelo próprio rei. De acordo com o seu pai, Gaia estava destinada a casar com um homem idoso, enquanto ela tinha apenas 15 anos. 

Um fato curioso desse universo é de que as meninas “se tornam mulheres” quando fazem quinze anos e são autorizadas a nadar até a superfície, sendo proibido qualquer contato com humanos. Há bastante medo dos humanos, pois acredita-se que a rainha (mãe de Gaia) morreu capturada por eles. Mas depois descobrem que não foi verdade.

Assim que fez quinze anos, Gaia decidiu subir até a superfície e avistou um grupo de jovens adultos (eles tinham cerca de dezoito anos) e se apaixona por um deles. O garoto se chama Oliver e tem uma namorada, o que deixa Gaia bastante decepcionada. Durante um naufrágio do barco em que os jovens estavam, um grupo de sereias que comem humanos (um tipo diferente de sereia, pois essas teriam origem híbrida) pretendiam matar Oliver, mas Gaia impediu sugerindo para que matassem a namorada do rapaz. Assim, Oliver foi o único sobrevivente do naufrágio. 

Bastante decepcionada com o noivado arranjado por seu pai (sendo o noivo um idoso super nojento), ela decide ir até o reino da Bruxa do Mal. Esse reino é relativamente próximo do reino do Rei dos Mares, mas o livro o descreve como um ambiente sombrio e assustador. A bruxa é uma sereia chamada Ceto. Ela é gorda e possui uma calda preta com diversas perólas (o que era considerado como uma ostentação entre as sereias e considerado impróprio pelo rei). 

Gaia pede para que Ceto a torne humana a fim de se livrar dos seus problemas no mar e se casar com Oliver (agora solteiro após a morte de sua namorada causada indiretamente por Gaia). Ceto explica que há renúncias nessa escolha e que a magia não sai de graça, mas mesmo assim Gaia aceita cortar a sua língua (e perder a sua voz) e sentir uma dor insuportável toda vez que andasse com as suas pernas novas. 

Assim que chega à terra firme, ela conhece Oliver e ele se mostra interessado por ela. Ele oferece moradia e a apresenta para sua mãe Eleanor. A Eleanor é uma empresária brilhante que sempre administrou o negócio da família, mas que precisou sempre da presença de seu marido por conta dos investidores machistas que não a ouviam. O marido de Eleanor morreu após se jogar no mar em busca da mãe de Gaia, quando ainda estava viva. Nesse ponto da história que descobrem que o pai do garoto era o motivo pelo qual a mãe da Gaia sempre ia à superfície. 

De todo modo, Gaia vive com Oliver e vê que o rapaz trata a sua mãe de maneira muito má e que ele é bastante mimado. Não suficiente, todos os dias as pernas de Gaia de deformavam cada vez mais e sangravam horrores. Em uma festa, ele troca Gaia por uma cantora chamada Flora e ela se sente traída. Flora tinha a voz de Gaia e ela descobre que a mulher é na verdade Ceto disfarçada. Ceto se disfarçou para salvar Gaia do destino cruel com um homem que não a ama (que a trocou na primeira oportunidade) e que não estaria à sua altura. Ceto não consegue desfazer a magia e sugere outras opções para Gaia, que nunca mais será a mesma…