Book Review: The Coming Wave, de Mustafa Suleyman

Resenhas

Vivemos à beira de uma transformação radical. The Coming Wave, de Mustafa Suleyman, é um convite urgente (e essencial) à reflexão sobre o impacto iminente das tecnologias que estão prestes a redefinir o mundo como conhecemos: a inteligência artificial, os computadores quânticos e a biotecnologia.

Suleyman, cofundador da DeepMind, não trata essas inovações como eventos isolados, mas como parte de uma grande onda: uma força inevitável que vem se formando e agora avança com intensidade crescente. Ele argumenta que, tal como o surgimento da imprensa de Gutenberg revolucionou a transmissão e o armazenamento do conhecimento, a IA promete um impacto ainda mais abrangente. A comparação com a prensa é uma das imagens mais poderosas do livro: Gutenberg queria difundir a Bíblia, mas acabou catalisando o Iluminismo (um movimento que questionaria as próprias bases da autoridade religiosa). Da mesma forma, a IA pode servir para libertar e ampliar o potencial humano… ou para concentrar poder em mãos perigosas.

O autor levanta um alerta: é preciso que essa nova onda seja guiada por responsabilidade. A tecnologia, por si só, não é boa nem má, mas o modo como a usamos determinará seu impacto. Assim como a aviação se desenvolveu com altos padrões de segurança graças ao compartilhamento aberto de erros e acertos, a IA também precisa seguir um caminho colaborativo e transparente. É fundamental que a indústria adote boas práticas e que existam acordos internacionais robustos, como os que regem o setor de energia nuclear, para prevenir usos autoritários ou descontrolados.

O que The Coming Wave nos mostra com clareza é que o futuro está sendo moldado agora, e ele nos convida a sermos participantes ativos desse processo. A inteligência artificial pode, sim, tornar nossas vidas mais leves, mais eficientes e mais humanas. Mas para que isso aconteça, é preciso que estejamos atentos, engajados e éticos.

Essa leitura é obrigatória para quem quer entender não só o que está por vir, mas o que já está aqui e o papel que cada um de nós pode ter em surfar essa onda, ao invés de ser engolido por ela.

Book Review: Marie Antoinette, Stefan Zweig

Resenhas

Há livros que nos transportam para mundos imaginários. Este, porém, nos leva a uma realidade que existiu (luxuosa, deslumbrante, profundamente desigual) e cujos ecos ainda reverberam no presente. Maria Antonieta, de Stefan Zweig, é um desses livros mágicos. Mágico não porque evoca o passado, mas porque tem o poder de nos fazer “visitar” uma época, sentir as festas e ouvir os sussurros nos corredores de Versalhes.

O autor se apoia em uma pesquisa minuciosa, especialmente nas cartas trocadas por Maria Antonieta e nas impressões que ela causava na corte. Mais do que relatar fatos, Zweig convida o leitor a um exercício de empatia histórica… Entramos no universo de uma mulher que, aos olhos da sociedade, era símbolo de tudo que havia de errado – mas que, ao olhar de perto, revela-se apenas uma jovem despreparada, mundana, desinteressada por política, jogada no centro de uma tempestade que não compreendia.

Zweig não pede desculpas por ela, mas também não a condena. Ele revela uma personagem feminina profundamente trágica: alguém que não escolheu ser símbolo, mas que foi tragada por um destino grandioso demais para os seus próprios feitos. Ao contrário de figuras como Napoleão, que desejaram a imortalidade histórica e aceitaram o preço de suas escolhas, Maria Antonieta teve um fim grandioso imposto a ela. E isso, por si só, já é uma tragédia.

Seus erros foram reais. Sua desconexão com o povo é inegável (e ela sabia muito bem da fome em Paris nas suas idas à Ópera). Mas o livro não é um panfleto político. Não tenta normalizar as desigualdades (essas, infelizmente, continuam escandalosamente atuais), mas sim abrir um espaço para contemplar a complexidade humana dessa figura histórica. No fim, talvez o mais revolucionário não tenha sido Maria Antonieta como símbolo, mas o nosso esforço de compreender a mulher por trás do mito.

Madame Bovary, de Gustave Flaubert

Resenhas

Depois de um hiato considerável, achei importante retomar as resenhas e dividir com vocês algumas das leituras mais marcantes desse tempo.

Esse clássico de Gustave Flaubert é, sem dúvida, uma obra incrível. Representa com profundidade uma fase inicial que muitas mulheres experienciam ao se descobrir romanticamente: aquela mistura de expectativa, idealização e desejo por uma vida mais intensa, mais bela, mais significativa. Emma Bovary nos guia por uma viagem que, infelizmente, se parece demais com a realidade de muitas mulheres ao redor do mundo. Uma busca por amor e liberdade que, em vez de conduzir à plenitude, revela as limitações impostas pela sociedade — e pelo próprio imaginário do amor romântico.

Madame Bovary trata de um tema universal: a frustração feminina diante de um mundo que promete felicidade no amor, mas entrega opressão e decepção. No entanto, como tantos outros clássicos, é uma obra escrita sob uma perspectiva masculina. E isso se sente. A profundidade emocional da personagem, por mais bem construída que seja, parece filtrada por um olhar externo. Aqui, confesso, senti falta da escrita de uma mulher — alguém que pudesse narrar não apenas os gestos, mas o íntimo, os silêncios e as contradições de Emma com mais generosidade.

Durante a leitura, me lembrei de algo que li sobre Karl Marx, que ao analisar estatísticas de suicídio, refletia sobre o fato de que tantas mulheres escolhiam esse fim — algo que ele relacionava diretamente às condições sociais e existenciais que lhes eram impostas. Isso não é um spoiler da obra (e honestamente nem lembro se essa temática é tratada diretamente no livro), mas quis deixar registrado aqui. Porque Madame Bovary é também um retrato de solidão, de ilusões destruídas, e do peso que é colocado sobre os ombros femininos quando lhes vendem o amor como uma promessa  quando na verdade, é só mais uma relação humana, com todas as suas falhas, jogos de poder e ilusões.

É um livro que prende do começo ao fim. O ritmo, a escrita e a construção das cenas são envolventes e te puxam para dentro da vida de Emma, mesmo que o destino dela seja, muitas vezes, cruel.

Book Review: Duna, de Frank Herbert

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Ler Duna foi uma experiência realmente marcante, daquelas que ficam com você por um bom tempo depois da última página. Foi ainda mais especial porque li com meu pai, e isso reacendeu nele o gosto pela leitura. Ele não só mergulhou no universo de Duna, como já está finalizando a trilogia!

O livro nos transporta para Arrakis, um planeta desértico onde água é mais preciosa que ouro e onde se encontra a especiaria mais valiosa do universo: o melange. Mas Duna vai muito além de um cenário exótico ou de uma aventura interplanetária. É uma obra profundamente política, filosófica e até espiritual.

Frank Herbert constrói uma narrativa densa e visionária que fala de ecologia, religião, manipulação ideológica, colonialismo e poder. É impressionante perceber como esse livro, publicado nos anos 1960, lançou as bases para grande parte do sci-fi que viria depois. Tudo que conhecemos hoje no gênero parece ter, de alguma forma, um traço de Duna.

Ao longo da leitura, consegui visualizar muitos elementos que foram levados ao cinema, mas o livro vai muito além do que o filme mostra. O imaginário de Herbert é vasto, e sua construção de mundo é rica em detalhes. A trajetória de Paul Atreides até se tornar o lendário Muad’Dib é feita com muita sutileza e profundidade.

Foi uma leitura realmente incrível. Um livro vanguardista, cheio de camadas e com um universo tão bem amarrado que, mesmo sendo ficção, parece absolutamente real.

Comecei o segundo volume da série, O Messias de Duna, mas confesso que não teve o mesmo impacto. Senti que boa parte da construção do personagem se perdeu.

Ainda assim, só o primeiro já vale por uma saga inteira. Uma leitura que recomendo e que, no meu caso, ainda veio com o bônus de ser compartilhada com meu pai, o que a tornou ainda mais especial.

Book Review: “Klara e o Sol” de Kazuo Ishiguro

Resenhas

“People saying how you’ve become too clever. There’re afraid because they can’t follow what’s going on inside any more. They can see what you do. They accept that your decisions, your recommendations, are sound and dependable, almost always correct. But they don’t like not knowing how you arrive at them. That’s where it comes from, this backlash, this prejudice.”
Klara and the Sun (Kazuo Ishiguro – p. 328).

A observação com uma atenção direcionada faz parte da maneira em que aprendemos as coisas no dia-a-dia. E, na medida em que imprimimos os nossos valores em nossas criações, os robôs humanoides também teriam essa capacidade. Isso é o que acontece com Klara, grande protagonista da obra “Klara e o Sol” de Ishiguro.

Essa obra, para mim, representa o quanto colocamos o melhor de nós em nossas criações. Klara é uma robô criada para diminuir a solidão de crianças abastadas em um futuro distópico. Há uma clara separação social e biológica entre as pessoas, mas isso deixarei em “aberto” para vocês ir descobrindo no decorrer da leitura (mas fica a dica!).

A Klara é a combinação do que há de melhor no ser humano. Ela tem um amor, carinho e atenção que só os mais nobres poderiam demonstrar. E, por isso, ela é também diferente dos outros robôs. Ela pensa que observa muito bem os humanos, mas eu discordo. Acredito que ela observa os humanos dentro de um ideal e, com base nele, interpreta o que acontece. Caso ela puramente observasse os humanos e aprendessem com eles, talvez ela se tornasse um robô da Microsoft ou um pouco mais como os outros robôs de sua loja.

Mas ver o mundo pelos olhos da Klara é uma experiência muito boa, porque permite com que a gente faça uma autorreflexão. O livro é de altíssima sensibilidade e tem altos e baixos nos acontecimentos na vida de seus personagens. Ishiguro consegue mudar o clímax do livro de “meigo” (por assim dizer rs) para assustador de maneira brilhante. A escrita é linda e muito bem trabalhada.

Não tenho o costume de ler livros sobre robôs ou futuros distópicos, mas esse foi muito bom e me fez querer conhecer muitos outros. Recomendo esse livros para todes!

Direito e Literatura: Middlemarch, Testamentos e a “Mão Morta”

Direito na Literatura

Sem spoilers!

Quem leu a obra “Middlemarch” sabe que os mortos continuam influenciando a vida dos vivos por meio de seus testamentos. Esses documentos, além de impactarem a vida de diversos personagens, também são um instrumento jurídico, e acho importante (e legal) dividir um pouco sobre eles na perspectiva da Inglaterra retratada por George Eliot.

Enquanto desenvolvia a obra entre 1º de novembro e 17 de dezembro de 1869, George Eliot leu “Ancient Law: its connection with the early history of society and its relation to modern ideas” de Henry Maine. Nesta obra, ela teve contato com leis romanas que explicavam as raízes dos princípios da lei inglesa. Com base nessa leitura, ela incluiu algumas questões jurídicas em Middlemarch, em especial sobre testamentos.

Na Inglaterra Vitoriana

Na Inglaterra vitoriana, existia um enorme interesse nos testamentos, pois esses documentos poderiam conter fofocas, como declarações amargas por parte do falecido e até mesmo desaprovações. A obsessão por testamentos pode ter como influência esses aspectos incomuns que o falecido deixava no documento, além de também não existir a obrigatoriedade de passar propriedades aos filhos e cônjuges. Um caso muito interessante é o de Sir Thomas May de Londres, que em 1887 deixou um xelim para sua esposa e filha, enquanto legava uma soma anual de £100 para seu empregado (uma quantia grande para a época!).

Ainda que atiçasse a curiosidade alheia, os testamentos não eram comuns. Em 1850, apenas cerca de 15% dos adultos que morreram deixaram riqueza suficiente para fazer da herança um assunto que valesse a pena; a maioria das pessoas morria sem nada ou estavam endividadas.

Mesmo entre aqueles que tinham algo para deixar, as desigualdades eram gritantes. Em 1911, 90% das propriedades eram avaliadas em menos de £1.000 – coletivamente, elas representavam apenas 10% da riqueza total passada na morte. No outro extremo do espectro, apenas 0,1% das propriedades estavam avaliadas em mais de £50.000, embora coletivamente essas propriedades representassem 38% da riqueza total.

Os fundos (trusts) eram uma ferramenta comum para garantir que as crianças se beneficiassem, com o tempo, da riqueza deixada pelos pais. Na morte de uma pessoa com propriedades, a maior parte de sua riqueza passaria para administradores nomeados. Quando a cônjuge do proprietário falecido morria, ou quando os filhos atingiam a idade adulta, os bens mantidos em confiança eram divididos ou vendidos pelos curadores e compartilhados, geralmente igualmente, entre todos os filhos sobreviventes.

Mão Morta e Entidades Religiosas

Além dessa curiosa sobre o período vitoriano, há algo interessante em um dos testamentos que aparecem em Middlemarch – que é a famosa “mão morta”. Para entender o que é essa “mão morta”, é preciso voltar um pouco no tempo:

Na Inglaterra medieval, a propriedade do inquilino de um feudo estava sempre sujeita à vontade de seu Senhor. Se as circunstâncias legais daquele inquilino mudassem de alguma forma – se ele se casasse, por exemplo, ou morresse, ou cometesse um crime – então aquela propriedade era revertida e o Senhor poderia escolher com qual feudo substituí-la. No entanto, essa liberdade era negada quando os inquilinos doavam a propriedade a uma entidade religiosa – pois a Igreja é uma instituição que não morria, não se casava ou mudava de qualquer forma seu status legal em benefício do Senhor, e o arrendatário era livre para mantê-las sob a égide do corpo religioso.

Os feudos também geravam impostos para o rei, principalmente sobre a concessão ou herança de uma propriedade. Se um imóvel se tornasse propriedade de uma entidade religiosa que nunca poderia morrer, esses impostos nunca seriam devidos. Era semelhante às propriedades pertencentes aos mortos, daí o termo “Mão morta” – mort main.

Uma vez que a terra passou para o controle da Igreja, ela nunca poderia ser abandonada. Como a Igreja nunca morreria, a terra nunca poderia ser herdada por morte (portanto, nenhuma taxa poderia ser cobrada pela entrada do herdeiro), nem poderia ser roubada ao senhor (perdida por falta de herdeiro). Isso veio a ser conhecido como a “mão morta” (francês: mortmain) – a Igreja (uma entidade não viva) representava essa mão morta, ou a mão era a do doador morto, que na verdade ainda controlava a terra como se vivo estivesse. Assim, as ações de homens que morreram gerações antes continuaram a controlar suas antigas terras (assim como acontece com um personagem de Middlemarch que morreu e, ainda assim, controla a sua propriedade).

Os Estatutos de Mortmain visavam restabelecer a proibição de doar terras à Igreja com o objetivo de evitar serviços feudais, uma proibição que se originou na Carta Magna de 1215. Os Estatutos de Mortmain previam que nenhuma propriedade poderia ser concedida a uma corporação sem o consentimento real e de seu Senhorio.

Pela Lei de 1279, que é uma parte dos Estatutos de Mortmain, nenhuma pessoa religiosa tinha permissão para adquirir terras. Se o fizessem, a terra era confiscada ao senhor feudal imediato, que teria um breve período para confiscar a propriedade. Se não o fizesse, o senhor logo acima dele (na hierarquia feudal) teria uma oportunidade semelhante.

No entanto, estes Estatutos revelaram-se ineficazes na prática. Pois se o suserano estivesse disposto, a terra ainda poderia ser doada a uma casa religiosa com sua cumplicidade, ou seja, por sua inação. E licenças do rei para adquirir terras em mortmain foram facilmente obtidas naqueles anos, pois Henrique III era simpatizante dos corpos religiosos durante seu longo reinado.

As leis referentes ao mort main existiram na Inglaterra desde o século XIII até que foram finalmente revogadas em 1960.

Fontes: Professor Alastair Owens: https://www.qmul.ac.uk/geog/news/2017/items/keeping-it-in-the-family-inheritance-in-victorian-and-edwardian-britain.html I David Clifford: https://digitalcommons.unl.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1267&context=ger I Pollock and Maitland, History of English Law, Vol 1., p. 329, Cambridge University Press, 1968

Onde comprar livros estrangeiros?

Direito na Literatura

Já que estamos no clima de Prime Day, acho interessante dar uma olhada em outros sites também para a compra de livros estrangeiros. Mas por que livros estrangeiros? Eu gosto muito de aprender idiomas e a leitura é fundamental para a minha forma de estudo. Além da minha língua materna, falo também inglês, espanhol e alemão – então as recomendações de sites são feitas com base na minha experiência com esses idiomas.

Amazon: a Amazon Brasil tem muitas opções e preços bastante competitivos (já em reais) para livros em inglês. A entrega costuma a ser super rápida (especialmente se você é Prime), então é sempre a minha primeira opção na busca de uma nova compra. O defeito é que o site é totalmente fora de mão para espanhol e alemão: sem opções e preços caríssimos. 

Waterstones.com: é uma loja britânica com muitas opções. O formato desse site é ótimo (especialmente pq da para rastrear a sua compra)! Recomendo para compras em inglês, espanhol e alemão. O preço está em libras, então precisa ficar com a calculadora perto 👀 o frete é em torno de £12.50 e o prazo pode variar de 7-10 dias úteis. Pode estar sujeito a impostos de importação quando chegar no Brasil. 

Book Depository: esse também é um site britânico que vende uma quantidade enorme de livros do mundo todo. O frete é de graça, mas a entrega não é rastreável e demora para chegar (10-25 dias úteis). É excelente para comprar livros que não tenham na Amazon Brasil, mas o preço não é tão competitivo. 

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