Book Review: “O Duelo” de A. P. Tcherkhov

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“Sou um homem fútil, medíocre, degradado! O ar que respiro, esse vinho, o amor, em uma palavra, a vida, eu a comprei até agora com mentiras, ócio e covardia. Até agora fiquei enganando os outros e a mim mesmo, sofria com isso e os meus sofrimentos eram baratos e vulgares. Eu me curvo timidamente diante do ódio de Von Koren porque de tempos em tempos eu mesmo me odeio e me desprezo”.

TCHEKHOV, A. P. O Duelo – Tradução de Marina Tenório. Editora 34. São Paulo, 2018.

Fiquei bastante curiosa para ler “O Duelo” de A. P. Tcherkhov, pelo fato dos duelos aparecerem tanto nas obras russas. No posfácio dessa edição da Editora 34 explica que os duelos não são uma tradição medieval como é observado na Europa, mas que foi introduzido pelos nobres russos muito tardiamente (historicamente).

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A obra nos conta um pouco sobre Laiévski, um homem supérfluo e que acredito ser uma espécie de Vronski de Anna Karênina. Laiévski é um homem supérfluo (caso você tenha interesse em saber mais sobre esse “personagem” da literatura, sugiro que leia o post sobre “Diário de um Homem Supérfluo” de Ivan Turguêniev) que vive com Nadiéjda Fiódorovna, uma mulher casada de classe social inferior.

Eu identifiquei muito de Anna Karênina em Nadiéjda Fiódorovna, em especial pelo sofrimento e exclusão que ela passa. Sem contar também o descaso que Laiévski possui frente a ela (assim como Vronski teve com Anna) e a viagem para um local mais quente (como Anna e Vronski fizeram para a Itália). Outra figura (muito parecida com a Dolly de Anna Karênina) é a Mária Konstantínovna, a única amiga de Nadiéjda Fiódorovna, e que possui uma grande dualidade, no sentido de gostar muito da amiga, mas também ter vários preconceitos em face dela.

O duelo ocorre quando Laiévski se desentende com Von Koren, um cientista que quer mudar radicalmente a sociedade russa – o que entra em conflito com a qualidade de “homem supérfluo” de Laiévski. Um ponto interessante é como os personagens refletem o quanto é arcaico o duelo, mas, ao mesmo tempo, não desistem por “uma questão de honra”.

Recomendo a leitura desse livro para quem já está familiarizado com a literatura russa. Acho que essa obra é mais enriquecedora após leituras anteriores.

Book Review: “As vozes de Tchernóbil” de Svetlana Aleksiévitch

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“Eu tenho medo. Tenho medo de uma coisa: de que o medo ocupe na nossa vida o lugar do amor”

ALEKSIÉVITCH, Svetlana. As vozes de Tchernóbil – Tradução de Sonia Branco. Companhia das Letras. São Paulo, 2015.

Eu sempre me interessei bastante em livros no formato de relatos. Todo mundo me indicava começar com os livros da Svetlana Aleksiévitch e, dentre todos os publicados, me interessei mais por “Vozes de Tchernóbil” (até mesmo por ter assistido a série da HBO que, por sinal, foi muito bem recebida pela crítica).

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A escrita do livro é incrível e eu me senti como se estivesse ao lado da escritora entrevistando os sobreviventes. Ela descreve a ordem dos fatos narrados e ainda as sensações/reações dos entrevistados com maestria. Dá para sentir a dor dos acontecimentos, mas também como as pessoas se sentiam com a conjuntura política da época.

Muitos dos entrevistados possuem um histórico de guerra e foram preparados para isso. Depois de anos de traumas da guerra e acreditando que a natureza (sempre aliada) nunca os faria mal, fez com que o crime de Tchernóbil não fosse tão facilmente compreendido por eles. Sequer os especialistas estavam preparados, pois eles tinham sido educados para outro tipo de situação, na medida em que ninguém sequer imaginaria um desastre nessas proporções.

Outro ponto interessante dos entrevistados é como eles ainda se identificam com a União Soviética. É muito simplista pensar que eles não “acompanharam a mudança” e ser esse o único motivo para tal identificação. Precisamos entender que essas pessoas foram educadas a acreditar, durante a vida toda, que eram comunistas soviéticos. Não é uma ideia fácil de ser desconstruída e achei esse ponto um dos mais interessantes do livro.

Gostei bastante também da abordagem que a escritora teve na questão ambiental, que fica evidente na entrevista de pessoas engajadas na causa e até mesmo a percepção de idosos que habitam por lá. A parte da morte dos animais domésticos me deixou muito triste, em especial, a morte dos cães. Sim, eu fiquei triste por ser o meu animal predileto, mas também por eles terem ficado em frente das casas esperando o retorno de seus donos.

Eu, Anna, acredito que devemos pensar e falar mais sobre Tchernóbil. Mas não da maneira que falamos nos últimos tempos, até mesmo limitando a existência das pessoas de “pessoa de Tchernóbil” e com vises inconscientes discriminatórios (como muitos relataram no livro). Vamos pensar no modelo de sociedade que queremos para o futuro: seria esse modelo compatível com geração de energia nuclear? Como diminuir o nosso impacto ambiental e corrigir excessos? Fica os questionamentos!

Por fim, só gostaria de lembrar que o livro faz descrições tristes sobre deformidades e mortes de pessoas guerreiras que enfrentaram o inimigo invisível, também conhecido como radioatividade. Então, caso queira ler, lembre deste ponto.

Book Review: “Diário de um Homem Supérfluo” de Ivan Turguêniev

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“Supérfluo, supérfluo… Encontrei uma palavra excelente. Quanto mais profundamente me perscruto, quanto mais atentamente examino a minha vida pregressa, mais me convenço da estrita exatidão desse termo. Supérfluo – é isso.

TURGUÊNIEV, Ivan. Diário de um homem supérfluo / tradução, posfácio e notas de Samuel Junqueira. São Paulo: Editora 34, 2019. p. 17

Essa obra é um clássico na história da literatura e teve um papel muito importante, em especial, na literatura russa. Caso queria comprar o livro, aqui está um link de compra: https://amzn.to/2Df411e

É a primeira vez em que temos contato com o psicológico do “homem supérfluo”, uma figura que já era presente na literatura russa, mas que ganhou uma maior complexidade na obra de Turguêniev.

O livro nos mostra um pouco o diário de Tchulkatúrin, um homem que está em seu leito de morte e que relembra o seu amor por Liza, filha de um proprietário de terras, bem como expressa a sua frustração com a vida. Há grande ênfase nesse amor por Liza, pois é o único acontecimento relevante que ocorre na vida de Tchulkatúrin, por mais frustante que essa experiência tenha sido (Liza o desprezava).

Essa frustração é uma característica marcante da figura do “homem supérfluo” da literatura russa. Mas, afinal, quem eram esses homens supérfluos? De acordo com Samuel Junqueira, eles são “jovens de origem nobre, dotados de grande capacidade intelectual e dos mais elevados princípios morais, mas também incapacitados para a ação, para a luta”.

É importante ressaltar que ocorreram grandes acontecimentos na primeira metade dos anos 1800 na Rússia, como omo a Revolta Dezembrista (1825) e a emancipação dos servos (1861). Os referidos eventos criaram um sentimento de união e busca por mudanças por parte da sociedade russa, em especial na juventude russa.

Todavia, por mais que os jovens estivessem com esse espírito revolucionário, eles não tinham como colocar seus ideais em ação, pois o regime do tzar Nicolau I tinha como característica a repressão e a censura. Logo, diante da impossibilidade de ação em um regime opressor e anacrônico, surge o Homem Supérlfuo.

Outro ponto interessante é que a obra de Turguêniev foi quase que inteiramente modificada pela censura em sua publicação. Apenas em 1856 que a obra é reestruturada com os trechos originais.

Na obra, Turguêniev cria tamanha profundidade para o personagem que acaba criando uma infância para ele. Logo, neste momento, surge a “criança supérflua” na literatura.

A leitura flui super bem e o narrador, apesar de sua situação trágica no leito de morte, se torna engraçado. Muitas vezes me pareceu bastante com “Memórias póstumas de Brás Cubas” do Machado de Assis. Eu recomendo bastante a leitura desse clássico e espero que esse apanhado histórico e análise literária de Samuel Junqueira enriqueça a leitura de todos!

Book Review: “O Alforje” de Bahiyyih Nakhjavani

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“A luz das estrelas o socorreu. A pura beleza das dunas do deserto testemunhou a seu favor. Anjos de todas as denominações o apoiaram em silêncio”

NAKHJAVANI, Bahiyyih. O Alforje – Tradução de Rubens Figueiredo. 2ª Edição. Editora Dublinense. Porto Alegre, 2019.

“O Alforje” foi o meu primeiro contato com as obras de Nakhajavani e estou encantada. O enredo e a forma de escrita são incríveis e deixam a leitura fluida e interessante do começo ao fim. Caso queira comprar: https://amzn.to/3kynNFT

A escrita é doce e profunda. É um livro que trata sobre diferentes tipos de fé e personagens que se encontram e unem o destino por conta de um alforje (que eu considerei como mágico). Uma dificuldade que encontrei na leitura foi o choque cultural, pois não estava acostumada com os termos e a violência com que as mulheres são submetidas na obra.

Eu considerei como uma obra violenta, mas, ao mesmo tempo, envolvente e leve. A doçura e profundidade que Nakhajavani escreve é única e nos faz apaixonar.

A obra basicamente narra o assalto que há na caravana de uma noiva e o encontro com um corpo morto caído dos céus, todavia, na perspectiva de vários personagens que presenciam o evento. Então, há capítulos destinados à noiva, aos assaltantes, sacerdote, escrava, etc. Todos esses personagens se interligam não apenas por conta do acontecimento, mas também por conta de um misterioso alforje.

Cada personagem tem a sua própria bagagem cultural, um passado e uma religiosidade específica. Acho que esse ponto é o mais enriquecedor de toda a leitura. Achei também que o alforje era mágico e passava uma mensagem diferente para cada um que o pegava.

Mesmo tratando de um mesmo evento (e com pequenos flashbacks do passado de cada personagem) não achei repetitivo, mas super interessante. Indico fortemente para todos em busca de uma escrita linda (que “amacia a nossa mente” ) e uma cultura diferente.

Book Review: “O Velho e o Mar” de Ernest Hemingway

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“He was too simple to wonder when he had attained humility. But he knew he had attained it and he knew it was not disgraceful and it carried no loss of true pride”.

HEMINGWAY, Ernest. Old Man and The Sea.

Esse é um dos meus livros prediletos da vida. Eu nunca chorei tanto ao terminar de ler um livro. Não chorei por tristeza, mas de emoção por acabar de ler uma obra tão linda. Caso queira comprar o livro, aqui está o link para compra: O velho e o mar

Durante a leitura fiquei com raiva do Santiago, mas também torci por ele. Foi um livro cheio de emoção. Rumores de que Hemingway enviou, junto com uma cópia original de “O velho e o mar”, um bilhete pro seu editor dizendo “Eu sei que isso é o melhor que posso escrever na minha vida toda” e isso fez muito sentido para mim, pois sei que são poucos os livros nesse nível que lerei na minha vida.¹.

A obra nos conta um pouco da história de Santiago, um pescador cubano idoso, que se encontra em uma maré de azar e ficou 84 dias sem conseguir um pescar um peixe (“Velho“). Ele sonhava com leões, que era uma memória feliz da sua infância e não mais com mulheres, brigas e peixes grandes (“He no longer dreamed of storms, nor women, nor of great occurrences, nor of great fish, nor fights, nor contests of strength, nor of his wife. He only dreamed of places now and of lions on the beach. They played like young cats in the dusk and he loved them as he loved the boy”).

Todavia, após a insistência do jovem amigo Manolin, o Velho resolve tentar pescar novamente na manhã no 85º dia com sua pequena canoa. Após muita luta e resistência física e mental, o Velho consegue pescar um peixe enorme (cinco metros e 700kg). Lembrando que a amizade entre o Velho e Manolin é linda e eu amei o jeito que Manolin cuida do seu amigo (“Keep the blanket around you” the boy said. “You’ll not fish without eating while I’m alive”).

Maior parte da história no mostra a luta do Velho contra o peixe, que o fez ir cada vez mais para o alto mar. No alto mar, O Velho sofre com o sol cegante e abre feridas no corpo, em especial nas mãos que acabam parecendo “garras”. Durante esse período, o Velho faz reflexões sobre a vida e a relação do homem com a natureza.

É interessante como sentimos a limitação física do Velho durante a pescaria e ainda como ele considera os peixes como “irmãos” e que ele não gosta de desrespeitar a natureza, mas que é o dever dele para com a comunidade dar esse alimento.

Agora vou dar spoiler: uma das partes mais angustiantes do livro é quando o Velho sofre ataques de tubarão após conseguir pescar o peixe grande. Ele sofre ao olhar pro peixe mutilado e acaba voltando para a sua comunidade apenas com os espinhos de um peixe enorme. Manolin chora muito ao encontrar seu amigo cansado e machucado, em especial na mão. Todos os pescadores seguem respeitando o Velho, em especial após a pesca desse peixe de tamanho descomunal.

Muitas pessoas acreditam que esse percurso do Velho é uma metáfora. “No plano existencial, O velho e o mar seria uma metáfora de uma vida de riscos, de investimentos que, no final, resultam em solidão ao lado de uma carcaça sem valor. Para o tradutor e doutor em linguística pela USP Caetano Galindo, trata-se de um texto no qual “cabe de fato um mar, um sem fim de possibilidades e sentimentos em torno de uma história simples, direta”. O próprio Hemingway, no entanto, negava essas interpretações alegóricas. “O mar é o mar. O velho é um velho. Todo simbolismo do qual as pessoas falam é besteira”, escreveu em uma carta ao crítico Bernard Berenson”².

Muitos identificam muitos traços da vida de Hemingway no livro, que morou em Cuba e fazia pescas na região. De todo modo, é uma história emocionante e genial. Mais que recomendo para todos!

Book Review: “A Máquina do Ódio” de Patrícia Campos Mello

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“Cobri o conflito na Líbia em Sirte, no front contra o Estado Islâmico. Fiz coberturas da guerra na Síria, no Iraque e no Afeganistão. Nunca tive guarda-costas. Estava em São Paulo, e precisava de segurança”

CAMPOS MELLO, Patrícia. A máquina do ódio. Editora Schwarcz. São Paulo, 2020.

Para quem não conhece, a Patrícia Campos Mello é uma jornalista brasileira colunista da Folha de S. Paulo e recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais, em especial por seu trabalho como jornalista correspondente em áreas de conflito como Síria e Serra Leoa.

Patrícia explora alguns pontos muito interessantes em “A máquina do ódio” como o linchamento que sofreu pelo Presidente da República e seus familiares, o impacto das mídias sociais nas eleições presidenciais, as novas formas de censura aos jornalistas, a ascensão de populistas no mundo e como o Presidente se utiliza de técnicas do Viktor Orbán, líder da Hungria. O livro termina com uma reflexão muito boa para o jornalismo: “será que uma pandemia pode salvar o jornalismo?”

Caso queira comprar o livro: A máquina do ódio: Notas de uma repórter sobre fake news e violência digital

Primeiramente, é interessante pensarmos que, de acordo com dados levantados no livro, 60% dos brasileiros usam o WhatsApp e muitos se informam pelo aplicativo. Tendo isso em vista, a nova versão de totalitarismo, a fim de alienar a população e criar uma ilusão de apoio ao líder totalitário, enche as redes sociais com a versão dos fatos que se quer emplacar. Tal técnica é muito forte, pois é (muitas vezes) o primeiro contato que o cidadão terá com a notícia e essa primeira impressão é muito difícil de ser desfeita.

Achei interessante o termo “tecnopopulista” para os líderes populistas que se utilizam das redes sociais de maneira abusiva, isto é, por meio do astroturfing. É igualmente curioso o fato das pessoas confiarem mais nas teorias conspiratórias do que em especialistas.

A jornalista também conta detalhes do caso dos disparos em massa de desinformação (vulgo “fake news” e que é uma atitude proibida pelo Tribunal Superior Eleitoral desde 2019). Ela informa que existem empresas que vendem o cadastro com milhões de números de celular atrelados a CPFs, títulos de eleitor e o perfil social e econômico das pessoas (a maioria deles eram idosos). Nesse ponto, é extremamente necessário pensarmos como devemos cuidar de um dos nossos bens mais preciosos: nossos dados.

Ao denunciar o esquema descrito acima, Patrícia sofreu diversos ataques por fanáticos do Presidente. Ela evidencia o machismo que existe, pois ninguém criticaria um jornalista homem da mesma maneira que ela foi criticada e julgada. Um homem a difamou em uma CPMI por ele ter levado um belo pé na bunda (mulheres, quem mais já viu uma cena parecida?).

Nesse ponto, ela trata do linchamento virtual, que faz com que muitos jornalistas se silenciem com medo das violentas represálias.

Outro assunto é como o governo brasileiro é um governo da “pós-verdade”, que valoriza versões em detrimento de fatos. Essa parte me lembrou muito do livro “O povo contra a democracia” do Yascha Mounk, pois o lider populista antiliberal precisa ser a fonte da verdade absoluta para o seu povo. O jornalismo e a mídia tradicional atrapalha esse objetivo ao questionar as ações do líder populista. Assim como Maduro, o Presidente brasileiro toma decisões contra os jornalistas e mantém uma postura violenta frente à eles.

Por fim, ressalto que o jornalismo, assim como a advocacia, é uma profissão de países democráticos. O direito à informação é basilar do Estado Democrático de Direito e precisamos defendê-lo com unhas e dentes. Precisamos criar um senso crítico das ações feitas pelos líderes populistas para não cairmos em uma cilada como esse novo formato de totalitarismo.

Book Review: “Ecofeminismos” de Daniela Rosendo

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Acompanho o movimento feminista há anos e nunca tinha ouvido falar sobre o termo “ecofeminismo”. O meu primeiro contato se deu por meio de um Podcast no Spotify chamado “Ecofeminismo: Mulheres e Natureza”, que apareceu como “indicado para mim” na plataforma. Comecei a estudar o assunto e achei bastante interessante. Ressalto que existem algumas percepções nas quais eu discordo, mas acho importante dividir um pouco do conhecimento sobre esse movimento e o quanto ele é interessante e pertinente.

Comprei o livro “Ecofeminismos” de Daniela Rosendo a fim de aprofundar os meus estudos sobre o tema. O livro é curtinho e conta com artigos científicos que tratam sobre o tema (em português e espanhol) e suas várias abordagens. Caso tenha interesse na compra da obra: Ecofeminismos: fundamentos teóricos e práxis interseccionais

O ecofeminismo é um movimento mais filosófico com uma pegada um pouco diferente do que estamos habituados a encontrar em outras camadas dos feminismos. Essa filosofia prega a empatia e cuidado por todos os seres individuais para que o mundo seja, como um todo, um local mais ético.

O foco é que todos os processos de opressão criado pelo homem tem uma base em comum e que há semelhanças diretas entre o sistema de dominação patriarcal e o que cometemos com a natureza. De acordo com o livro: “A teoria feminista se torna um importante instrumento de análise e bandeira de luta social, porque nos ajuda a entender o modus operandi de como as opressões estão interligadas”.

Existem algumas reflexões muito interessantes sobre o tema. Começarei explorando a ideia da conexão que a mulher possui com a natureza, que é bastante diferente daquela ensinada aos homens.

O machismo cria uma ideia de desvalorização de tudo relacionado ao feminino e à natureza (os chamados “outros”). Mas como isso ocorre? o machismo impacta a criação dos homens e faz com que eles pensem que tanto a natureza quanto as mulheres estão ao seu dispor ou precisam ser conquistados por ele. O homem ocupa um espaço de conquista e dominação por meio desse tipo de criação que envolve a ideia de masculinidade. Logo, é preciso que os meninos sejam criados para exercitar o seu sentimento de empatia pelo “outro”.

Um exemplo interessante que aparece no livro é o seguinte: “A caça e o sacrifício animal exemplificam o corte da conexão com as mulheres e os animais. Através da história, a caça tem sido tanto uma atividade predominantemente masculina quanto um ritual prototípico para entrar na idade viril”.

Não obstante, no decorrer da história, as mulheres foram retratadas em uma relação direta com a natureza, como na ideia de que existe um Deus homem situado no céu governando a Terra, que é imaginada como feminina. O livro “Ecofeminismos” deixa claro essa ideia na seguinte passagem: “mulheres e animais são vistos como selvagens, irracionais, seres do mal que precisam ser conquistados e subjugados por uma força masculina agressiva”.

Ainda nesse sentido da relação entre mulheres/natureza e a posição de dominação masculina, o livro nos mostra também como as mulheres estavam ligadas à uma imagem de ciclos repetitivos da natureza (em especial, por conta da possibilidade de reprodução) enquanto aos homens cabia uma imagem ligada a atos de heroísmos.

Vale ressaltar que a ligação que a mulher tem com a natureza não deve ser reforçada pelo esterótipo retratado acima, que justifica tal ligação como uma “natureza” própria do feminino. Há uma parte do livro que explica muito bem esse ponto: “Qualquer atribuição de características inatas aos sexos carece de fundamentos científicos, mas, sobretudo, por entendermos que tal visão reforça padrões de subordinação dominantes e inibem o potencial crítico do feminismo”.

Outro ponto importante (e mais prático) a ser observado é de que as mulheres são a população mais afetada pelas mudanças climáticas. Isso ocorre pelo fato de que a mudança climática faz com que os homens migrem para locais cada vez mais distantes em busca de subsistência, enquanto as mulheres permanecem nos vilarejos em situação precária. Além de pesquisas indicarem que há um aumento na violência de gênero, tráfico humano e casamento infantil nessas localidades mais afetadas.

O livro trata desse aspecto também na seguinte passagem: “Certamento o lixo tóxico, a poluição do ar, os lençóis freáticos contaminados, o aumento da militarização e similares não são exclusivamente questões de mulheres; elas são questões humanas que afetam todo mundo. Porém, ecofeministas alegam que essas questões ambientais são questões feministas porque são as mulheres e as crianças as primeiras a sofrer as consequências da desigualdade e da destruição ambiental e que sofrem essas consequências desproporcionalmente em relação aos homens adultos”.

Por fim, um último ponto interessante retratado no livro é como as mulheres sofrem com a falta de reconhecimento na luta ambiental e agrária.

Sendo assim, consigo concluir que o ecofeminismo ele não nasce com uma abordagem prática como os outros feminismos, mas como um movimento intelectual e filosófico, pois leva em consideração questões como sistemas de opressão e condição humana.

Book Review: “Hibisco Roxo” de Chimamanda Ngozi Adichie

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Essa foi a escolha para o mês de julho/2020 do leitura no Clube de Leitura @LivrosdeLei e foi um sucesso! A história é emocionante e nos conta um pouco da vida de Kambili, uma menina nigeriana que vive em um mundo com fanatismo religioso, autoridade parental e o colonialismo. Caso queira comprar o livro: Hibisco roxo

Esse foi o meu primeiro contato com os livros da Chimamanda Ngozi Adichie e eu fiquei bastante impressionada com o quanto a leitura de um tema tão pesado se torna leve. O livro é super fluido e é possível acabar a leitura em poucos dias.

A Kambili é uma garota adolescente que vive com o seu pai (Papa), mãe (Mama) e irmão (Jaja). A família de Kambili é bastante rica e seu pai é um famoso líder local e dono de um jornal. A garota sofre bastante com o autoritarismo e o fanatismo religioso de seu pai, que acaba agredindo fisicamente tanto ela quanto o seu irmão e a sua mãe.

A história muda quando Kambili e Jaja vão passar uns dias na casa da tia Ifeoma, irmã do Papa. Ifeoma mora em uma cidade universitária e em uma situação de pobreza diferente da vida de luxo que Kambili e Jaja vivem com seus pais. Logo, Kambili aprende outras formas de viver e convive com seus primos e o seu avô Papa-Nnukwu.

Durante esse período na casa da tia Ifeoma, Kambili mantém mais contato com o seu avô (que é visto como um “pagão” por seu pai) e com outros personagens, como o Padre Amadi – o padre de uma Igreja próxima a casa de Ifeoma. O Padre Amadi se preocupa com Kambili e a ajuda a “se soltar”, pois a menina tinha um comportamento estranho devido aos traumas que Papa introduziu em sua criação.

Eu espero ter feito você ficar com vontade de ler até aqui! Porque não quero me estender e acabar contando o fim da história, que é brilhante. O fim é totalmente inesperado e nos mostra uma nova faceta dos personagens. Ou melhor, “os humilhados sendo exaltados”. Indico esse livro para todo mundo!

Book Review: “O Nariz” de Nikolai Gogol

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“Convenhamos, a fantasia não conhece leis, e além do mais efetivamente ocorrem no mundo muitos acontecimentos perfeitamente inexplicáveis”

GOGOL, Nikolai Vassiliévitch, 1809-1952. O nariz /e/ Diário de um louco; Tradução Roberto Gomes – Porto Alegre: LP&M, 2011.

O livro “O Nariz” de Nikolai Gogol é um clássico da literatura russa super curtinho e dá para ler facilmente em 1 dia.

Para mim, a melhor parte de todos os contos de Gogol é a mistura entre a vida comum e o absurdo, e essa história é minha predileta dele justamente por conta desse elemento. A obra nos conta a história do Major Kovaliov, um sujeito que acorda sem o seu nariz. Caso queira comprar o livro: O nariz: 201

A situação, em si, já é bastante bizarra. Mas piora bastante quando vemos a naturalidade que as outras pessoas tratam esse assunto. Ninguém entende como se fosse algo mágico, mas que “poderia acontecer”. O conto é dividido em duas partes.

Na primeira parte do conto, acompanhamos o barbeiro Ivan Iákovlevitch que encontra um nariz no meio do pão que comia pela manhã. O personagem fica com medo de ser preso pelas autoridades e resolve esconder o nariz. Nesse momento, pensei que ele era um assassino ou algo do tipo.

A segunda parte trata do momento em que o Major Kovaliov descobre que está sem o seu nariz. Desesperado, ele recorre ao comandante da polícia e até à seção de anúncios de um jornal. No fim, a polícia aparece em sua casa com o nariz, e o desafio passa a ser como colocá-lo de volta no rosto de Kovaliov.

Essa história é bastante divertida e ótima para conhecer as obras de Gogol. Indico para todos que estejam abertos para o diferente e que buscam uma leitura divertida.

Book Review: “O Capote” e “O Retrato” de Nikolai Gógol

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Esses dois contos são incríveis e são os meus prediletos de Nikolai Gógol. Espero que vocês gostem e eu li os dois contos em um livro só, no caso esse: O Capote

O Nikolai Gógol retrata super bem o período do czar Nicolau I e a sociedade de São Petersburgo. Outro ponto interessante e uma figura muito comum das suas obras é o burocrata, que trabalha como oficial em altos cargos e passam por situações “humilhantes” ou que faz com que ele fique ofendido com ela. Tais situações conversam com o absurdo e trazem eventos trágicos e cômicos para a vida dos personagens.

“O Capote” (1842) nos conta a história de Akáki Akákievitch, um burocrata de cargo baixo. Ele vive na miséria juntando dinheiro em toda oportunidade que existe, mas passa por um sufoco quando o seu capote rasga. O capote sai caro, mas fica perfeito e chama a atenção de todo mundo. Akáki Akákievitch, que antes não tinha amigos, começa a ser popular por conta de sua roupa nova e é convidado para uma festa pelo chefe do departamento. Mas não esperava ele que ocorreria nessa festa uma fatalidade que faria a sua vida mudar para sempre.

Um ponto interessante é que o personagem sequer conseguia terminar uma frase direito e isso é refletido no próprio nome do personagem, que possui elementos de gagueira. “Ao analisar o conto, Paulo Bezerra destaca a importância do nome de Akáki para a caracterização da essência do personagem. O tradutor explica que sua repetição sonora “se constitui num exercício de gagueira (…) que usa uma linguagem quase desprovida de articulação, como se o homem ainda não tivesse criado uma linguagem estruturada”. Acrescenta-se a isso o seu sobrenome Bachmátchkin, derivado de báchmak, que significa sapato, e temos a imagem de um ofendido feito para ser pisado”¹.

O próprio Dostoiévski reconhece que “todos nós saímos do capote de Gógol”, considerando que a obra ultrapassa gerações e moldou uma onda de escritores russos.

Já o conto “O Retrato” (1835) nos conta um pouco da vida (e sonhos) de um pintor iniciante chamado Tchartkov, que adquire um retrato que o leva à loucura. Tchartkov vive com diversas dívidas e pouco reconhecimento até que encontrou dinheiro em sua casa, coincidentemente perto do quadro de um homem oriental, cujos olhos pareciam olhar fixamente para Tchartkov.

O dinheiro aparecia o tempo inteiro perto do quadro e, logo menos, Tchartkov sai da pobreza e passa a ser um pintor rico e famoso na sociedade. Mas ele percebe que é tudo artificial e que ninguém liga para o seu talento, o que o leva à loucura e inveja de outros pintores melhores. Na segunda parte do livro, descobrimos que o quadro é a pintura de um agiota, que realmente existiu, e que tinha um ar sombrio e amaldiçoava a todos que usavam o seu dinheiro emprestado.

Um fato interessante é que Nikolai Gógol morreu como Tchartkov, “mergulhado em profundos arrependimentos e diagnosticado pelos médicos como insano. Como revela Vladimir Nabokov em seu livro Nicolai Gógol: uma biografia”².