Book Review: “Ressurreição” de Liev Tolstói

Direito na Literatura

“Cada detento uma mãe, uma crença
Cada crime uma sentença
Cada sentença um motivo, uma história de lágrima
Sangue, vidas e glórias, abandono, miséria, ódio
Sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo
Misture bem essa química
Pronto, eis um novo detento”

Diário de um Detento. Racionais Mc.

Ler “Ressurreição” é nadar contra a maré. É abrir a mente para a perspectiva de milhões de pessoas que hoje estão no cárcere. É sair da zona de conforto e entender mais profundamente como o sistema criminal funciona.

“Ressureição” é um livro atemporal e que, por isso, se encaixa na realidade que temos hoje em pleno século XXI. O livro questiona pontos básicos do Direito Penal, como a finalidade da pena e o próprio sistema carcerário. Por esse motivo, entendo que a melhor maneira de abordar essa resenha é pegar uma citação atual e que segue a mesma proposta da obra.

O Tolstói que conheci em “Ressurreição” (seu último trabalho) é diferente daquele que escreveu “Anna Karênina” e “Guerra e Paz”. O dom da escrita segue o mesmo, mas a abordagem e realidade dos personagens contrasta muito com as outras obras, pois o foco é o próprio sistema criminal. Foi incrível conhecer essa faceta de Tolstói e ler esse livro que se tornou um dos meu favoritos da vida.

O livro é baseado em no caso real de um rapaz nobre que participa como jurado no julgamento do crime de uma antiga camponesa conhecida por ele. Por diversos motivos, ele se sente culpado pela vida que ela estava levando (sem spoilers) e, além disso, a mulher também acaba sendo presa injustamente. Nesse sentido, o rapaz busca meios de redimir seus pecados e ter uma vida limpa e justa. Ele nem sempre busca a maneira mais correta, e isso é genial porque permite que ninguém seja 100% bom ou mau o tempo inteiro (nem mesmo os outros personagens).

No fim, não se sabe ao certo de quem é a ressurreição. Mas o sentido bíblico da palavra é altamente utilizado e tem diversas referências – como os principais acontecimentos ocorrem perto do período da Quaresma e até mesmo partes que recordam Mt 25, 36.

As reflexões que o personagem principal faz não são apenas profundas, como também necessárias. O livro é essencial para as pessoas compreenderem a realidade social brasileira, na medida em que o Brasil é o país que mais prende pessoas no mundo e possui um sistema criminal/prisional problemático. Eu acredito que todo mundo deveria ler o livro, independente se é operador do Direito ou não. É uma lição de empatia e aguça o sentido crítico e filosófico.

A leitura me lembrou outras obras igualmente importantes e críticas, como o filme “13a emenda” (disponível na Netflix) e os livros abaixo:

Os links acima são afiliados.

Além disso, tenho um vídeo que mostra um pouco sobre as reflexões feitas pelo protagonista (minuto 4:37). O vídeo é sobre o universo de Harry Potter, mas segue a mesma linha proposta pelo protagonista de “Ressurreição”:

Book Review: “A Morte de Ivan Ilitch” de Leon Tolstói

Resenhas, Sem categoria

“Ultimamente, na solidão em que se encontrava, deitado com o rosto virado para as costas do sofá, solidão no meio de uma cidade superpovoada e rodeado de inúmeros conhecidos – solidão mais completa do que qualquer outra, seja no fundo do mar ou no centro da Terra -, nessa assustadora solidão, Ivan Ilitch vivia somente das lembranças do passado”.

TOLSTÓI, Leon. “A Morte de Ivan Ilitch”. Página 66.

Esse livro foi o meu primeiro contato com a obra de Tolstói e fiquei apaixonada. “A Morte de Ivan Ilitch” foi publicado em 1886 e é considerado como uma das obras-primas da literatura. Se tiver interesse em comprar a obra: A morte de Ivan Ilitch

O livro trata muito da questão de viver a vida de acordo com valores dignos e não de “aparências” como Ilitch viveu. O modo de vida de Ilitch é uma crítica à superficialidade e hipocrisia da alta sociedade. Essa parte me lembrou bastante a obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis. “A história de Ivan Ilitch foi das mais simples, das mais comuns e portanto das mais terríveis” (página 12).

Importante dizer que o livro foi escrito após a conversão religiosa de Tolstói, que recebeu uma carta escrita à lápis de Tugueniev. Tugueniev, que estava sem forças para empunhar uma pena em seu leito de morte, escreve “por favor, volte à literatura, você não tem o direito de privar a humanidade de seu talento imaginativo”. Logo após o recebimento da carta de seu amigo, Tolstói escreve “A Morte de Ivan Ilitch”, uma pequena novela e que reflete sobre a finitude humana.

O livro começa com a narração do velório de Ivan Ilitch, um juiz do Tribunal de Justiça bastante ambicioso e que morrera de uma doença no apêndice ou rim. No começo da história, nos é apresentado Piotr Ivanovich, que foi um colega de Ivan Ilitch na faculdade de Direito e no Tribunal. Ivanovich é considerado como o amigo mais próximo de Ilitch, mas não sente vontade alguma de ir até o velório. Não obstante, além de não ter vontade de ir ao velório ainda fica chateado por ter perdido a chance de jogar cartas com os colegas.

Ninguém realmente ligava para a morte de Ilitch, pois todos os convidados no velório estavam mais preocupados com quem assumirá o seu cargo no Tribunal de Justiça do que com o próprio morto.

O fato de Ivan Ilitch ter sido um burocrata a vida inteira ilustra bem a ideia de uma vida “automatizada” e sem grandes propósitos, estando estagnado naquele ambiente: “Essa arte de separar tão bem a vida oficial da vida real Ivan Ilitch possuía no mais alto grau e a prática associada ao talento natural tinha-o feito desenvolver esse talento a tal ponto de perfeição que muitas vezes, como os virtuoses, ele até se permitia, por um breve momento, mesclar suas relações humanas com as oficiais” (Página 27).

Ao decorrer da leitura, conhecemos Ivan Ilitch e toda a sua trajetória de vida. Após um acidente que faz com que ele machuque na região do rim, Ivan Ilitch acredita ter contraído uma doença no rim ou apêndice. Conforme o tempo passa, o seu ferimento se torna pior. O seu único prazer se tornou a companhia do filho, de apenas 14 anos, e de um criado seu, por entender que estes jamais lhe mentiriam.

É possível sentir a angústia e toda a mágoa que Ivan Ilitch sente no seu leito de morte. A parte que mais me chamou a atenção foi como “dói” ver a vida dos outros seguindo em frente enquanto a dele estava em seu fim. “Essa falsidade em volta e até mesmo dentro dele, mais do que qualquer outra coisa, envenenou os últimos dias de Ivan Ilitch” (Página 53).

Esse livro é incrível e faz reflexões bastante profundas sobre a brevidade e sentido da vida humana.